A BATALHA DE CURUPAYTY
- O desastre aliado na Guerra da Tríplice Aliança -
Parte III (última)
Completando o ciclo de edições referentes à batalha de Curupayty, O Tuiuti traz
nesta edição o estudo do maior historiador brasileiro sobre a Guerra da Tríplice Aliança,
o General Augusto Tasso Fragoso. Seu livro, em cinco volumes, é o melhor clássico sobre
a guerra. A abordagem sobre a derrota está no volume III.
Completando, temos a opinião do historiador Professor Doutor Francisco
Fernando Monteoliva Doratioto, inclusive as consequências do insucesso aliado que foi,
principalmente, a nomeação de Caxias para Comandante das tropas brasileiras.
Os preparativos para o ataque a Curupaiti
No dia 13 de Setembro, o chefe da
comissão de engenharia do 2° corpo,
major Rufino Enéas Galvão, fez um
reconhecimento da posição inimiga,
levando consigo dois de seus oficiais e,
como elemento de proteção, o 29°
batalhão de voluntários (tenente-
-coronel Astrogildo Pereira). De
regresso, apresentou a Pôrto Alegre1 um
esboço da mesma posição, que lhe
aparecia como formada de dois fortes
extremos, ligados por uma cortina, e nos
quais flutuava a bandeira paraguaia.
No dia 15, Mitre e Pôrto Alegre
executaram pessoalmente outro
reconhecimento, acompanhados do
1 Tenente-General Manoel Marques de Souza –
Conde de Porto Alegre.
major Rufino Enéas Galvão e de outros
oficiais. No dia seguinte (16), foi o major
Galvão, com o comandante do corpo
provisório de artilharia a cavalo,
escolher uma boa posição para a
artilharia, levando outra vez de proteção
o batalhão já referido. Nesse mesmo dia
começou-se, ao escurecer, a construção
de um espaldão para 12 bocas de fogo,
no lugar que se reputou mais adequado.
Trabalhou-se até o amanhecer de 17.
Uma descoberta do inimigo aproximouse,
mas foi repelida pelo batalhão que
protegia as obras naquele momento (o
36° de voluntários).
Segundo Tamandaré, só no dia 17
estavam as forças prontas para o ataque,
"em consequência - diz ele - das
ÓRGÃO DE DIVULGAÇÃO DAS ATIVIDADES DA ACADEMIA DE
HISTÓRIA MILITAR TERRESTRE DO BRASIL/RIO GRANDE DO SUL (AHIMTB/RS)
- ACADEMIA GENERAL RINALDO PEREIRA DA CÂMARA -
E DO INSTITUTO DE HISTÓRIA E TRADIÇÕES DO RIO GRANDE DO SUL (IHTRGS)
150 anos da 1ª Batalha de Tuiuti – 400 anos da fundação de Belém do Pará
ANO 2016 Outubro N° 186
O TUIUTI
2
delongas que "resultaram de um
movimento tão considerável de tropas".
Mas, na madrugada de 17 sobreveio
forte temporal e desde às 9 da manhã
deste dia começou a chover
copiosamente; o aguaceiro continuou
nos dias 18 e 19 até a manhã de 20. A 20
e 21 restabeleceu-se o bom tempo. Os
trabalhos do espaldão continuaram na
noite de 18 e nessa mesma noite ficaram
prontos.
Mitre, Flores e Tamandaré
reuniram-se em junta de guerra e
decidiram que o ataque se fizesse no dia
22. O generalíssimo faz alusão a este
contratempo em sua carta a Marcos Paz
(Vice-Presidente) de 20 de Setembro:
"Tudo estava pronto no dia
16 - escreve ele - combinou-se o
ataque para 17, conforme o plano
de que lhe remeto cópia. A 17
choveu e o almirante achou que
isso era um inconveniente para o
bombardeio, o qual, segundo o
convencionado, devia preceder o
ataque, como era natural. Desde
então até esta noite (de 19 para
20) tem chovido quase sem interrupção;
achamo-nos sobre um
lodaçal e com os caminhos perdidos.
Isto interrompeu a nossa
operação. Espero, todavia, que os
caminhos melhorem rapidamente
para prossegui-la segundo o que se
combinou ou para modificá-la se
sobrevierem circunstâncias e for
conveniente"
2.
2 Na mesma carta alude Mitre a vacilações
de Pôrto-Alegre, em vista dos informes
dados por um trânsfuga paraguaio, que dizia
haver em Curupaiti nove batalhões, cinco
regimentos e de 40 a 50 peças de artilharia.
Parecia ao comandante do 2° corpo do
exército brasileiro que o ataque deveria ser
iniciado por Polidoro nas linhas de Tuiuti.
Mitre dissentia. Achava que López reforçara,
sem dúvida, Tuiuti, mas deixara suas reservas
em uma posição equidistante de
Curupaiti e de Tuiuti, de modo que pudesse
acudir a qualquer destes pontos. Dominado
por essa ideia, manteve-se firme na decisão
A esquadra lançou alguns projetis
contra Curupaiti nos dias 16, 17, 19 e 21.
"Apesar de não terem sido
ineficazes os bombardeamentos
"que fiz com a esquadra, por
diversas vezes, até mesmo de noite,
"os paraguaios aumentaram
considerávelmente as fortificações
"de Curupaiti durante os 19 dias
decorridos depois da tomada de
"Curuzu..." (Parte de Tamandaré).
No dia 22 de Setembro - dia do
ataque - a colaboração da esquadra
tinha de assumir extraordinária
importância. Cabia-lhe a missão de
primitiva. Pôrto Alegre e Tamandaré afinal
concordaram "embora não se manifestando
animados da mesma fé e brios ‘anteriores’, o
que Mitre atribuía, não só à sua natural
indecisão, ‘senão também aos zelos que lhes
causava a sua presença e a das tropas argentinas
em Curuzu, pois ambos são muy
pequenos e nisso não se parecem "nem com
Osorio, nem com Polidoro’".
E refletia:
"Este ofício de general em chefe dos
exércitos aliados, em que é necessário ter
energia e inteligência por todos, e em que
nenhum general ‘colabora nem com
iniciativa, nem com resoluções, é um
verdadeiro ofício ‘de condenado, no qual se
esterilizam os esforços mais vigorosos,
ficando ‘para mim a responsabilidade do
que não se fez, além dos desgostos que ‘daí
promanam’".
E mais adiante:
"A posição inimiga é forte, porém,
com os bombardeios da esquadra temos
meios suficientes de conquistá-la, embora
perdendo, como é natural, alguma gente. É
pena que não houvéssemos feito o ataque a
17 porque tudo estava perfeitamente
disposto e teríamos colhido um dia glória se
o almirante Tamandaré cumprisse o que
ofereceu; Eu tinha dúvidas quanto a esta
parte, embora ele se mostrasse então muito
decidido. De qualquer modo, porém,
teríamos ido para a frente. O tempo perdido
fez-nos muito mal, mas trataremos de
recuperá-lo".
3
bombardear previamente a posição
inimiga, acometendo-a sobretudo pela
frente fluvial, de modo que os seus tiros
enfiassem a trincheira terrestre. À esta
ação naval devia correr paralelamente
uma outra da artilharia de terra. Só
depois dessa preparação preliminar, as
tropas aliadas partiriam ao ataque. A
operação desenrolar-se-ia, de modo
geral, mais ou menos como em Curuzu.
Também aqui parece não ter havido
nenhuma ordem escrita; tudo se limitou
com certeza a meras combinações
verbais.
- O ataque a Curupaiti -
Na manhã de 22, o almirante
iniciou a ação naval. Foram estes os
navios que nela tomaram parte:
Encouraçados: Brasil, Barroso, Lima
Sarros, Baía e Tamandaré;
Bombardeiras: Pedro Afonso e Forte de
Coimbra; Chatas bombardeiras: N. l, N. 2
e N. 3; Canhoneiras: Beberibe, Magé,
Parnaíba, Belmonte, Ivaí, Mearim,
Iguatemi, Araguari, Araguaia, Ipiranga,
Henrique Martins e Chuí.
Às 7 e meia estavam fundeados
em determinadas posições.
O almirante mandou que os
encouraçados Baía e Lima Barros
avançassem "até descobrir o forte de
Curupaití e rompessem ‘fogo contra
ele’”. Ao mesmo tempo “a linha de
trincheiras do inimigo” era
bombardeada pelo Brasil, Barroso,
Tamandaré, Ipiranga, Belmonte e
Parnaíba, bombardeiras Pedro Afonso e
Forte de Coimbra e chatas ns. l, 2 e 3.
Os demais navios da esquadra
foram tomando sucessivamente
posições convenientes abaixo de
Curupaiti, "das quais ‘bombardeavam o
campo adverso sem estarem expostas
aos ‘fogos do forte’".
O laconismo da parte de
Tamandaré e dos seus subordinados não
faculta uma reconstituição precisa dessa
fase importante do bombardeio. Colhese,
todavia, a impressão de que os navios
tomaram posição à jusante de Curupaiti
e daí dispararam as suas peças. Só os
dois encouraçados Baía e Lima Barros
acercaram-se mais do inimigo.
Ao meio dia, porém, os
encouraçados Brasil, Barroso e
Tamandaré subiram, por ordem do
almirante, romperam uma estacada
posta no rio e foram colocar-se em
frente à trincheira fluvial. Daí atacaramna
a curta distância (cerca de uma
amarra). Ao mesmo tempo o Lima
Barros, o Baía, a Parnaíba, a Beberibe
(com a insígnia do Barão de Amazonas,
chefe de estado-maior de Tamandaré) e
a Magé, todos "colocados do lado do
Chaco obliquamente à bateria inimiga"
descarregavam sobre ela a sua
artilharia.
Nessa ocasião - diz Tamandaré -
mandei convergir
"todos os fogos para o forte,
porque já avançavam os assaltantes,
e o fogo de artilharia e
fuzilaria era geral em toda a
extensão das trincheiras. As
canhoneiras fundeadas à margem
esquerda começaram "a trabalhar
somente com o rodízio de proa. Em
dado momento (ao que parece,
cerca do meio día), a Beberibe içou
o sinal convencionado com o
exército para o ataque. Consistia na
bandeira brasileira desfraldada no
tope grande. Içado o sinal,
cessaram os navios de atirar para
os entrincheiramentos e
convergiram os seus fogos para a
frente”.
A preparação feita pela artilharia
da esquadra durara cerca de quatro
horas e meia. Vejamos agora como Mitre
se lançou contra a posição inimiga.
Segundo Rio Branco, Pôrto Alegre
dispunha de 10.580 homens, inclusive
4
uns 200 enfermos. Seu efetivo depois do
ataque a Curuzu era de 3.500 infantes,
3.400 cavaleiros e 680 artilheiros. Total,
7.500. Recebeu ainda 500 homens de
sua cavalaria que haviam ficado em
Tuiuti e Polidoro mandou-lhe do 1°
corpo, no dia 4 de Setembro, o 12°
batalhão de voluntários (500 homens),
e, no dia 12, a brigada Paranhos (cinco
batalhões, com 2.000 homens). O efetivo
do 2° corpo passou assim a cerca de
6.000 infantes, 3.900 cavaleiros e 680
artilheiros.
Quanto ao exército argentino, já
vimos que Mitre declarou a Pôrto Alegre
levar consigo para Curuzu 9.500 a
10.000 homens (32 batalhões) e duas
baterias de artilharia raiada. O efetivo
brasileiro era, pois, aproximadamente
igual ao dos argentinos. A força
disponível para o ataque devia orçar em
20.000 homens. Mitre avaliou-a na sua
parte em mais de 18.000 conforme já
referi.
Às 8 horas da manhã a artilharia
brasileira foi ocupar o espaldão que lhe
havia sido preparado "a conveniente
distância do entrincheiramento
inimigo". Seguiram oito peças raiadas de
quatro e quatro estativas de foguetes do
corpo provisório de artilharia a cavalo
(major Lobo d'Eça) e dois canhões
obuses (um e 12 e outro de 14, dos
tomados em Curuzu) e dois obuzes de
montanha do 4° batalhão de artilharia a
pé (major Rego Monteiro).
Abriu-se o fogo logo que a
cerração se dissipou (cerca das 0830),
afim de contrabater a artilharia das
trincheiras inimigas e preparar o
ataque.3
3 Lobo d'Eça conta que apontou para as
peças do inimigo. Sinto não poder explicar
claramente o modo por que atuou a
artilharia argentina. Mitre escreve em sua
parte que o ataque foi apoiado por duas
baterias, uma brasileira e outra argentina
"que obraram cruzando seus fogos a partir
dos flancos da frente do ataque".
Para se apossar do objetivo que
tinha em mira, o generalíssimo
organizou um dispositivo de ataque em
quatro colunas, duas brasileiras à
esquerda, e duas argentinas à direita.
Passemo-las rapidamente em revista:
A primeira coluna da esquerda
(divisão brasileira da esquerda) era
comandada pelo coronel Augusto Caldas
e compunha-se destas unidades:
2ª Brigada (tenente-coronel Barros
Vasconcellos):
- 5° batalhão de voluntários (major
Raimundo de Souza);
- 8° batalhão de voluntários (major
Rufino Campelo);
- 12° batalhão de voluntários (tenentecoronel
João José de Brito); e
- 11° batalhão de linha (major Carlos de
Macedo).
3ª Brigada (tenente-coronel Landulfo
Machado):
- 18° batalhão de voluntários (tenentecoronel
Antônio Amorim Rangel);
- 32º Batalhão de Voluntários (Capitão
Fabricio de Matos); e
- 36° batalhão de voluntários (capitão
Hipolito Mendes da Fonseca).
7a
brigada (cavalaria) (tenente-coronel
Albino Pereira):
- 7° corpo provisório da Guarda Nacional
(capitão Manuel Rodrigues Lima);
- 8° corpo provisório da Guarda Nacional
(tenente-coronel Nunes de Sousa); e
- 9° corpo provisório da Guarda Nacional
(major Aureliano de Andrade).
Por outro lado, lê-se em Garmendia:
"Em frente à esquerda do adversário
estabeleceu-se uma bateria "de campanha
às ordens do general Védia, comandada pelo
1° tenente Domingos Viejobueno". Infere-se
daí que a bateria argentina postou-se à
direita das tropas atacantes e em frente à
esquerda da posição inimiga. Naturalmente
ela procedeu de modo análogo à bateria
brasileira.
5
Total: 6 batalhões e 3 corpos de
cavalaria a pé.
A coluna brasileira da direita
(divisão da direita) era comandada pelo
general Albino de Carvalho e contava
com estas unidades:
Brigada Auxiliar (Tenente-Coronel
Paranhos):
- 6° batalhão de infantaria de linha
(major Genuíno Sampaio);
- 10° batalhão de voluntários (major
João Barreto);
- 11° batalhão de voluntários (major
Ignacio Ribeiro de Lima);
- 20° batalhão de voluntários (tenentecoronel
Carlos de Castro); e
- 46° batalhão de voluntários (major
Aniceto Vaz).
1ª brigada (tenente-coronel Maia Bittencourt):
- 29° batalhão de voluntários (capitão
Sousa e Melo);
- 34° batalhão de voluntários (major
Francisco de Lima e Silva); e
- 47° batalhão de voluntários (tenentecoronel
Luís Albuquerque Maranhão).
4a brigada (tenente-coronel Piquet):
- 1° corpo de caçadores a cavalo (major
Teixeira Lopes);
- 2° corpo de caçadores a cavalo (major
Tranquilino Veloso); e
- 5° corpo de caçadores a cavalo (major
Manuel Rodrigues Júnior).
Total: seis batalhões de infantaria
e três corpos de cavalaria a pé.
Além destas duas divisões, Pôrto
Alegre dispunha mais de uma terceira
(coronel Lucas de Lima), formada de
corpos de cavalaria a pé e assim
constituída:
6a brigada (tenente-coronel Vasco
Alves):
- 4° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (major Manuel de
Oliveira Alvares);
- 5° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (major Gomes de
Carvalho); e
- 10° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (major Joaquim
Rodrigues Candié).
Brigada ligeira (tenente-coronel
Astrogildo Costa):
- 13° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (major Nuno Pereira
da Costa); - 14° corpo provisório de
cavalaria da Guarda Nacional (major
Bento Gonçalves da Silva4); e
- 15° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (major Antônio Alves
Pereira).
8ª brigada (tenente-coronel Balbino de
Sousa)
- 11° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (tenente-coronel
Teófilo de Sousa Matos); e
- 12° corpo provisório de cavalaria da
Guarda Nacional (major Antônio
Rodrigues da Fonseca).
O comandante do 2° corpo
brasileiro guardou as unidades acima
como reserva.
A coluna argentina da esquerda
era formada pelo 1° corpo (Paunero) e a
da direita pelo 2º corpo (Emílio Mitre). E
de mais três divisões cuja composição
exata não me foi possível saber.
Logo que se deu a ordem de
avançar (ao meio-dia, segundo Mitre), as
colunas de ataque lançaram-se contra a
posição inimiga. O primeiro obstáculo
que se lhes deparou foi a primeira
trincheira. O inimigo a tinha guarnecido
a princípio com artilharia, mas depois
retirou-a quase toda para a trincheira
principal. Os aliados abordaram e
transpuseram esse primeiro objetivo. A
artilharia brasileira, que havia
suspendido o fogo durante o assalto,
mudou de posição e aproximou-se da
referida primeira trincheira.
"A pequena trincheira - diz
Centurión - que servia de avançada
para defender os trabalhos da linha
4 Filho do Bento Gonçalves da Silva da Revolução
Farroupilha.
6
principal, foi abandonada, às 1030
horas, sob o fogo das baterias
inimigas. Algumas peças que aí se
encontravam foram levadas para
dentro daquela linha. No momento
em que as tropas se recolhiam,
uma bomba de morteiro de 150
derrubou uma parte do parapeito;
as terras desprendidas lançaram
ao solo e soterraram um oficial".
Restava a trincheira principal. Os
aliados arremetem contra ela cheios de
entusiasmo e decisão, mas o terreno está
semeado de obstáculos e é varrido pelo
fogo dos defensores. As unidades
desviam-se, buscam caminhos mais
favoráveis e se acercam da linha de
abatizes. As dificuldades que esta linha
apresenta são consideráveis, pois ela
cobre uma faixa de mais de 30 varas,
escreveu Mitre. Os abatizes, conta ainda
o generalíssimo, são formados de
árvores espinhosas enterradas pelos
troncos. Busca-se rapidamente abrir
brecha nesse emaranhado, para alcançar
o fosso, enchê-lo com faxinas e montar
as escadas que tinham sido levadas de
prevenção. O fogo, porém, é terrível; o
defensor permanece sereno e abrigado
no seu posto, e fuzila impiedosamente
quantos se lhe apresentam à vista.
O malogro é completo.
Ninguém logra penetrar na
posição inimiga. O ataque é puramente
frontal. Desta vez López tomou todas as
precauções para não ser torneado pela
esquerda, como em Curuzu.
O plano de Mitre era atacar pelo
centro com as duas colunas interiores e
submergir os flancos ou, melhor, as alas
com as duas outras extremas.
"Estas marchariam para
forçar os flancos da linha inimiga
que se apoiava à direita no rio
Paraguai, coberta por um tríplice
recinto e um bosque; e à
esquerda em dois lagos, com uma
dupla linha coberta por um
bosque e dois esteiros
impenetráveis, que se
prolongavam para a retaguarda
de nossa direita, e onde se
haviam estabelecido algumas
baterias de flanco e de revés”.
"Salvados por la coluna
argentina - continua Mitre textualmente
- las espressadas
baterias de flanco y de revés, á
cuyo frente si dejó una quarta
linea de observación, que á la vez
de cubrir nuestro flanco, apoiaba
Ia tercera linea de reservas
generales, se estabelecio alli una
bateria argentina para
contrabatirlas, no siendo possible
flanquear por alli la posición
enemiga por ser los esteros y el
bosque de todo punto impenetra-
"bles."
"Nestas condições - pondera
ainda Mitre - tendo-me posto de
acordo com o Barão de Pôrto
Alegre, e vendo que não era
possível forçar com vantagem a
linha de abatizes para executar o
assalto geral, salvo se
comprometessemos as nossas
últimas reservas, e também que,
uma vez dominada a trincheira,
não se obteriam os frutos dessa
vitória parcial desde que se não
conservassem tropas suficientes
para penetrar com ordem no
interior das linhas e ali fazer
frente às reservas do inimigo,
combinamos mandar retrair
simultaneamente e em ordem as
colunas comprometidas no
ataque, reunindo previamente
todos os nossos feridos e
trazendo-os para as nossas
reservas. E assim se fez depois
das 2 horas da tarde, recolhendose
os batalhões com as suas
bandeiras desfraldadas para a
retaguarda de nossa linha de
reservas, a qual formou a 400
varas da linha inimiga, dentro do
seu tiro de metralha, para
proteger esse movimento".
Lancemos agora rápida mirada a
cada uma das colunas de ataque,
começando pelo flanco esquerdo.
7
A divisão brasileira que atacou
pela beira do rio parece ter sido a única
que encontrou caminho relativamente
favorável, graças à vegetação da
margem. Ocupou a base de partida que
lhe havia sido prescrita, a saber a boca
de uma picada. Daí partiu ao ataque
contra a direita inimiga levando
estendidos em linha os batalhões da 2a
brigada e da 3a
. A sua outra brigada (a
7a) ia a principio em segundo escalão,
como apoio; mas logo depois entrou em
acção com as duas primeiras.
A divisão transpôs facilmente a
primeira trincheira e dirigiu-se célere à
segunda. Empregou toda a sorte de
esforços para transpô-la, sem o
conseguir; o tiro de metralha e a fuzilaria
inimiga eram terríveis e dizimavamna.
Elementos do 12° batalhão de
voluntários pretendem ter transposto o
fosso da trincheira principal, embora
houvessem sido depois repelidos. Todos
os nove corpos da divisão empenharamse
no assalto.
A divisão brasileira da direita
ocupou uma base de partida junto a um
capão que ficava ao nordeste do
acampamento. Foi daí que ela destacou
o 20° e o 46° de voluntários para
proteger a artilharia.
Ao sinal do ataque, a divisão
avançou cerca de 300 braças até chegar
à primeira trincheira, que transpôs. O
inimigo dominava-a da trincheira
principal e cobria-a com intenso fogo.
Vencido esse primeiro obstáculo,
a divisão teve de pender para a extrema
esquerda do inimigo, sem dúvida por
causa das dificuldades que o terreno lhe
oferecia5. Aproximou-se assim da
trincheira principal; fez esforços sobre-
5 Durante o ataque da posição principal, os
membros da comissão de engenheiros junto ao
2° corpo do exército brasileiro, auxiliados por
170 pontoneiros, fizeram uma ligeira ponte
sobre o fosso da primeira trincheira e
obstruíram-na em vários lugares. (Rio Branco.)
humanos para a conquistar, sendo
sempre repelida. Alguns elementos do
29° de voluntários e do 11° pretendem
tê-la galgado.
Durante o assalto, Pôrto Alegre
lançou mão da sua reserva geral (3a
divisão - Coronel Lucas de Lima), para
reforçar a coluna da direita. Das suas
três brigadas, empenharam-se a 6a
(tenente-coronel Vasco Alves) e a
brigada ligeira (tenente-coronel
Astrogildo Pereira da Costa). Cada uma
era formada de três corpos de cavalaria
a pé.
Os brasileiros empenharam, por
conseguinte, quase todas as suas forças.
"Em presença, pois, de tantos
e tão poderosos obstáculos -
escreveu Pôrto-Alegre na sua parte
- foi impossível levar de “assalto
tão forte posição, na qual o inimigo
havia concentrado a maior parte de
suas forças... Encontrando a coluna
argentina no seu ataque as mesmas
insuperáveis dificuldades a vencer,
não obstante a galhardia com que
avançou, ordenei a retirada, de
acordo com o general Mitre, a qual
se operou na melhor ordem
possível, fazendo carregar, não só
os feridos, como os mortos, sem
que um só dos inimigos ousasse
sair da sua linha de fortificação,
para nos vir dar um tiro, posto que
só cessasse o fogo da sua artilharia
às 1530horas, quando a força que
cobria a nossa retirada ficou fora
do alcance dela."
A terceira coluna de ataque (1°
corpo argentino, do comando de
Paunero) dispunha de quatro divisões.
Empenhou, em primeiro escalão, duas: a
4a e a 1a
, ambas sob o comando do
coronel Rivas. Atrás delas seguiam,
como reserva, a 2a e a 3a
, sob a direcção
imediata de Paunero. Acometeu-se a
trincheira principal sem resultado. Os
batalhões avançaram debaixo de um
fogo mortífero de bombas, metralha e
fuzilaria; muitos elementos ocuparam o
8
fosso, sem poderem vencer o parapeito e
penetrar no interior da posição inimiga.
Paunero empenhou a 2a divisão em
auxílio de Rivas logo que este lhe
reclamou reforço. A 3a divisão ficou
postada a 300 metros da linha inimiga e
protegeu a retirada.
A quarta coluna de ataque (2°
corpo argentino, do comando de Emílio
Mitre) tinha 4 divisões. Seu comandante
as dispos inicialmente deste modo: a 4a
divisão (Cel Martínez), composta de
duas brigadas (8a e 7a) e 6 batalhões,
pronta para o assalto; a 3ª (Cel Pablo
Díaz) à distância conveniente como reserva
da 4ª; a 2ª (Cel. Agüero) paralela à
bateria
"que o inimigo tinha
estabelecido no flanco direito do
proncadis (sic) do caminho que as
colunas de ataque tinham de
percorrer para chegar a Curupaiti;
e a 1a (Cel Bustillo) cobrindo a
aberta no mato que, partindo de
Rojas-Cué, vinha sair na direita do
acampamento argentino".
Ordenado o ataque, Emílio Mitre
empenhou os 3 batalhões da 8a brigada à
direita do 1° corpo. Estas unidades
investiram contra a trincheira, e
bateram-se com valentia, mas também
sem nada conseguir.
Parece que toda a força restante
do 2° corpo serviu apenas para proteger
a retirada. Dos seus 32 batalhões,
afirma-se que Mitre apenas empenhou
17.
Foram sensíveis as perdas dos
aliados no ataque a Curupaiti. Os
brasileiros tiveram:
Mortos........Oficiais (51); Praças (360);
Feridos e contusos...Oficiais (150);
Praças (1.390);
Extraviados....Oficiais ( - ); Praças (10);
Total...Oficiais (201); Praças (1.760).
O chefe do serviço de saúde do 2°
corpo era o coronel cirurgião do exército
Christovam José Vieira. Em sua parte, diz
ele que organizou 6 turmas de médicos
para atender ao serviço e que foram
recebidos e tratados no hospital de
sangue 466 feridos (brasileiros e
argentinos), dos quais 309 com
ferimentos graves e 157 com ferimentos
simples. Fizeram-se entre aqueles 69
amputações e uma desarticulação do
humerus. Os demais feridos, em
consequência da falta de pessoal e da
impossibilidade de demorar-se os seus
curativos, sob pena de risco de suas
vidas, foram remetidos para diversos
vapores que se achatam contituídos em
hospitais de sangue.
Na esquadra houve um
marinheiro morto, 4 oficiais e 30 marinheiros
e soldados feridos; e no
batalhão que estava no Chaco 15
homens fora de combate.
Somando todos estes algarismos,
chega-se a esta perda total: 205 oficiais,
1.806 praças, isto é, 2.011 homens fora
de combate.
Os argentinos tiveram 163
oficiais e 1.919 praças, isto é, 2.082
homens fora de combate.
Total de argentinos e brasileiros:
4.093 homens.
Morreram vários oficiais
superiores e comandantes de corpos.
Dos argentinos sucumbiram: os coronéis
Roseti e Charlone, os comandantes
Fraga e Alejandro Díaz, o sargento-mor
Lúcio Salvadores e muitos outros
oficiais. Os brasileiros perderam 6
comandantes de batalhão: Souza
Barreto, Antunes de Abreu, Fabrício de
Matos, Hipólito da Fonseca, Sousa e Melo
e Castilho dos Reis, e dois fiscais :
Machado Lemos e Mariano da Rocha
Medrado, afora muitos outros oficiais.
"Ficaram prisioneiros de
López um tenente argentino e 82
soldados argentinos e brasileiros,
todos feridos. Em consequência
dos maus tratos foram morrendo
quasi todos e dias depois estavam
reduzidos ao tenente e 28 soldados
argentinos e 10 brasileiros. É
9
impossível precisar as perdas dos
paraguaios; foram com certeza
diminutas comparadas com as do
atacante. Thompson fala apenas de
54 homens, entre mortos e feridos,
vítimas principalmente dos tiros de
fuzil do batalhão brasileiro que
estava no Chaco. Centurión diz que
não passaram de 92. Em seu
depoimento declarou Resquin: o
exército paraguaio perdeu no
ataque a Curupaiti apenas 250
homens e nunca se afastou de
detrás das trincheiras".
No dia seguinte ao do combate
(23), López mandou sair alguns
batalhões para enterrar os mortos.
"Quando se fizeram os
trabalhos da fortificação - narra
Centurión - abriram-se fossos ou
sangas ao longo das margens das
lagoas em frente a Curupaití para
tolher a passagem dos aliados e,
por conseguinte, para que não lhes
fosse possível fazer o mesmo que
em Curuzu. Deitaram-se os
cadáveres nessas sangas até
atulhá-las; o resto foi lançado ao
rio Paraguai. Um dos batalhões
incumbidos desta triste e pesada
tarefa foi o 36°, composto de 600
praças. Calcula-se que só ele atirou
ao rio e enterrou mais de 2.000,
dos que se encontravam dentro da
nossa posição; os que se achavam
mais longe ficaram para ser presa
de Ias aves de rapina, como nos
tempos de Homero”.
Sobre este assunto convém ainda
citar um trecho da parte do major Enéas
Galvão, chefe da Comissão de
Engenheiros :
"Alguns feridos que ficaram,
por terem caído dentro do elevado
macegal e do mato, consta
que o inimigo teve a
barbaridade de matá-los, e, no
dia 24, tivemos que presenciar
outra cena de selvageria, que,
como aquela, revela a sua
ferocidade. Ao amanhecer
daquele dia, principiaram a
descer, passando entre os
navios da esquadra, os
cadáveres de nossos bravos, que
não pudemos trazer por terem
ficado encobertos, sendo a
maior parte desses corpos
ligados por cordas de dois a
dois, e em completo estado de
nudez. S. Exa. o Sr. general em
chefe mandou reunir esses
cadáveres e dar-lhes sepultura".
Diversos navios da
esquadra sofreram avarias com
os tiros dos paraguaios.
Tamandaré pretende que eles
visaram, de preferência, depois
do meio dia, os que estavam do
lado do Chaco, sobretudo o
Brasil e o Tamandaré, os quais
ficaram com a couraça de
boreste seriamente arruinada. O
Brasil teve duas peças
desmontadas e recebeu grande
número de balas, que entraram
nas casamatas pelas
portinholas.
"Os navios formados do lado
do Paraguai receberam algum
"fogo de metralha e fuzilaria, e
algumas balas que o inimigo
atirava por elevação, mas não
sofreram avaria alguma" (Tamandaré).
O almirante informa ainda que a
sua artilharia desmontou três peças de
68 da bateria inimiga.
A ocasião é oportuna para
interpolar uma informação de Rio
Branco quanto às perdas dos aliados
desde o começo da guerra até o ataque
de Curupaiti (22 de Setembro de 1866).
Compulsando todos os documentos que
pôde haver à mão e não levando em
conta as perdas dos brasileiros na
campanha do Estado Oriental (de
Dezembro de 1864 a 20 de Fevereiro de
1865), chegou o nosso ilustre patrício a
esta conclusão:
10
Mortos: Oficiais brasileiros (228);
Praças (2.486); Oficiais argentinos (79);
Praças (1.206); Uruguaios: nenhum.
Ele (Rio Branco) avaliava ainda
que até esse momento os paraguaios haviam
perdido, aproximadamente:
Mortos: 13.110; Feridos: 17.190;
Prisioneiros: 7.853; Total: 38.153.
Quanto à perda dos brasileiros,
de Dezembro de 1864 a 20 de Fevereiro
de 1865, computava-a (Rio Branco)
deste modo:
Mortos: 109; Feridos: 439; Extraviados:
1.
A opinião do Dr. Francisco Doratioto (p. 243/247)
Em 22 de setembro, o ataque a
Curupaiti começou sem alteração no
plano original dos aliados. A esquadra
bombardeou essa posição, e Tamandaré
procurou cumprir sua promessa de
"descangalhar em duas horas" a
artilharia inimiga. O ataque dos navios
foi ineficaz devido à altura da
fortificação superior a nove metros, que
obrigava os canhões brasileiros a
utilizarem ângulo de tiro que fazia as
bombas caírem além das posições
inimigas, sem que Tamandaré o
soubesse. Acreditando que tinha
preparado suficientemente o terreno, a
esquadra deu o sinal para as forças
terrestres atacarem as posições
paraguaias. Como fora planejado, pouco
depois das 12 horas, quatro colunas
paralelas, duas argentinas, à direita, e
duas brasileiras avançaram, sendo que o
ataque principal caberia às duas
centrais, uma de cada nacionalidade,
com comando dos generais Paunero e
Albino Carvalho, enquanto as laterais
eram lideradas pelo general Emilio
Mitre e pelo coronel Augusto Caldas.
Eram 20 mil aliados, em que os efetivos
de argentinos e brasileiros eram
praticamente equivalentes. Segundo
testemunho paraguaio, os aliados
avançavam com vistosos uniformes e
bandas de música, para cadenciar o
avanço da infantaria; os oficiais
montavam cavalos e, devido a seus
"reluzentes uniformes de gala",
constituíram alvos fáceis para os
atiradores paraguaios. "Era
impressionante vê-los avançar com
muita galhardia, como se fossem para
uma festa ou um desfile militar,
causando a impressão de estarem
seguros da vitória.
Retardados pelo barro e
enfrentando a artilharia paraguaia, que
Tamandaré comunicara ter destruído, o
Exército do general Porto Alegre
começou o ataque à esquerda. Após
algum tempo, Mitre enviou dois
ajudantes para ver a verdadeira situação
da tropa brasileira, que lutava
valorosamente, e eles voltaram dizendo
que Porto Alegre tomara a trincheira. A
informação não era verdadeira, pois
esses ajudantes confundiram o primeiro
fosso, que fora ultrapassado pelos
atacantes, com a trincheira principal.
Com base nessa informação equivocada,
Mitre ordenou o segunto ataque, de
forças argentinas, para auxiliar a
suposta vantagem obtida por Porto
Alegre, que estaria necessitando de
reforço. As colunas atacantes fizeram
investidas sucessivas, nas quais
soldados e oficiais se portaram com
bravura. As tropas de assalto, apesar de
surpreendidas pela violência inesperada
do fogo inimigo, que dizimava suas
fileiras, e pelas inúmeras armadilhas,
continuaram a avançar, tropeçando nos
corpos dos companheiros caídos, e
chegaram a alcançar o fosso da
trincheira principal. Após horas de combate,
os soldados aliados voltaram as
costas a Curupaiti e começaram a fugir, o
que obrigou Mitre a recorrer às forças
11
de reserva, que saíram dos montes onde
estavam escondidas e retomaram o
ataque.
Mitre comandou o ataque sob o
alcance das bombas inimigas e teve que
trocar de cavalo, devido a ferimento
causado no primeiro animal por um estilhaço.
Em outro momento, o
comandante-em-chefe ficou respingado
de barro, resultante da explosão
próxima de uma bomba. Em outros
momentos da guerra, os demais chefes
máximos aliados, Flores, Osorio, Porto
Alegre, Caxias, Paunero, Emílio Mitre e o
conde d'Eu também se expuseram ao
fogo inimigo, em contraste com Solano
López que evitava ficar ao alcance dos
tiros. Em Curupaiti impressiona - e isso
foi destacado por espectadores
paraguaios do combate - o sangue-frio
dos soldados aliados que, durante horas,
marcharam adiante, para preencher
claros dos companheiros mortos,
cônscios de que muito possivelmente
também eles morreriam. Em Curupaiti
tombaram expoentes argentinos e
brasileiros, de cuja perda o Exército
aliado se ressentiria; pereceram jovens
da elite portenha, como, entre outros,
Domingo Fidel Sarmiento - Dominguito -
filho do futuro presidente Domingo
Faustino Sarmiento, e Francisco Paz,
filho do vice-presidente Marcos Paz. A
dramaticidade do combate é
exemplificada no relato de José Ignacio
Garmendia que, no final da ação, ao ver,
ensanguentado, Martin Vinales, do lº
Batalhão de Santa Fé, perguntou-lhe se
estava ferido e a resposta foi: "não é
nada, apenas um braço a menos; a pátria
merece mais".
O sol já se punha em Curupaiti e
quase não havia mais reservas aliadas
que pudessem ser utilizadas, quando
Mitre ordenou o toque de clarim de
retirada. A ordem apenas ratificava a
situação de fato, pois havia uma
debandada dos atacantes, que Porto
Alegre, "transfigurado de raiva", tentava,
em pleno campo de batalha, conter, com
vistas a fazer novo assalto. Ao se retirar,
Porto Alegre disse a Arthur Silveira da
Motta: "eis aqui o resultado do governo
brasileiro não ter confiança em seus
generais e entregar os seus Exércitos aos
generais estrangeiros", e fez uma série
de imputações a Mitre,
responsabilizando-o pelo desastre.
Na verdade, se o ataque tivesse
ocorrido no dia 17, como fora planejado,
provavelmente o resultado teria sido
favorável aos aliados. Nesse momento, a
construção das novas trincheiras
paraguaias estava longe de ser concluída
e o terreno por onde marchariam os
atacantes não estava tão encharcado; os
aliados não teriam encontrado, àquela
altura, obstáculos intransponíveis. A
esquadra não teria, é verdade, atuado no
dia 17 contra Curupaiti, pois para
Tamandaré ela encontraria dificuldades
de atuar eficientemente sob chuva, mas,
de todo nesmo sob tempo bom foi nulo o
efeito do bombardeio que fez sobre esse
forte. Não eram, na realidade, as
condições meteorológicas que comprometiam
a ação da esquadra mas, sim, o
desconhecimento das posições
paraguaias e, sobretudo, a falta de
comando à altura dos novos desafios
militares.
As estatísticas oficiais,
normalmente citadas por historiadores
da Argentina e do Brasil, indicam que no
ataque a Curupaiti os brasileiros tiveram
2011 homens fora de combate, dos quais
411 mortos, enquanto os argentinos
tiveram 1357 baixas, das quais 587
mortos. O coronel brasileiro Cláudio
Moreira Bento, porém, ao escrever em
1982, fala em 4 mil soldados imperiais
mortos, número repetido por um
observador neutro, o representante
espanhol em Buenos Aires em 1866.
Azevedo Pimentel, participante do
combate, diz que foram 2 mil mortos
brasileiros e outros 2 mil argentinos. Os
paraguaios perderam 54 homens
12
segundo Thompson, que afirma terem as
perdas aliadas chegado a 9 mil homens,
enquanto para Centurión apenas os
mortos aliados seriam de 5 mil. José
Maria Rosa e Arturo Bray chegam ao
extremo oposto dos números oficiais
argentinos e brasileiros, e afirmam que
foi de 10 mil o número de atacantes
mortos. Os cadáveres aliados foram
jogados nas fossas abertas para montar
armadilhas contra os atacantes; cheias
essas covas, os demais corpos foram
jogados no rio Paraguai . Segundo
Centurión, apenas um dos batalhões
encarregados desse trabalho, o de
número 36, enterrou e jogou ao rio mais
de 2 mil cadáveres.
Terminada a batalha, um
batalhão saiu das trincheiras de
Curupaiti para recolher as armas e
despojos deixados no terreno pelos
aliados, bem como para aprisionar os
feridos. Os soldados paraguaios
perguntavam aos argentinos e
brasileiros feridos se podiam caminhar e
matavam aqueles que respondiam
negativamente. Poucos podiam andar,
do contrário teriam recuado ao encontro
de seus companheiros; os prisioneiros
foram, assim, apenas "uma meia dúzia".
Os soldados do batalhão paraguaio
retornaram à trincheira vestidos com os
uniformes argentinos, com relógios dos
mortos e libras esterlinas, pois os
aliados haviam recebido o soldo há
pouco. Essas libras foram "compradas"
por Elisa Lynch com papel-moeda
paraguaio. Vários batalhões paraguaios
foram vestidos com os uniformes dos
aliados mortos e armados com os 3 mil
fuzis capturados.
Desde o início da guerra os
soldados paraguaios andavam seminus e
descalços, assim, para eles os uniformes
aliados manchados de sangue eram
verdadeiro prêmio. A falta de vestuário
era tão grave que o governo paraguaio
baixou, em fevereiro de 1866, um
decreto que determinava, sob a
justificativa de que o bloqueio naval
brasileiro impedia a importação de
tecidos, "uma contribuição de vestuários
para o serviço do Exército". Tratava-se,
de fato, de confisco e coube aos chefes
policiais e juízes determinarem, na
região sob jurisdição, a cota de
uniformes que cada família deveria dar.
Os atacantes de Curupaiti não
receberam reforço das forças dos
generais Polidoro e Flores. Este tinha
ordens de fazer um movimento de
flanco, diversionista, com sua cavalaria
de cerca de 3 mil homens, mas se
afastou tanto das trincheiras paraguaias
que não chegou a ter contato com o
inimigo. Polidoro recebera ordens de
Mitre para fazer, simultaneamente à
operação principal contra a fortaleza,
um reconhecimento "o mais vigoroso
possível", não só para distrair o inimigo,
mas para, oportunamente, transformá-lo
em ataque formal. Esse general
brasileiro, porém, permaneceu inerte e,
mais tarde, justificou sua inação
afirmando que a esquadra, mais
precisamente a embarcação Iguaçu, não
içara, conforme o combinado, o sinal de
ataque, uma bandeira vermelha com
cruz branca ao centro. Arthur Silveira da
Motta, contudo, afirmou que o sinal foi
dado por ordem de Tamandaré e "
transmitido por mim: eu o vi desfraldo
no Patacho Iguaçu". A inação de Polidoro
foi "inexplicável", tendo sido esse
general responsabilizado de forma
ostensiva pela derrota, em ordem do dia
de Tamandaré. Já o ministro da Marinha
à época, Afonso Celso, escreveu que não
foi dado o sinal combinado para que
Polidoro iniciasse a ofensiva.
Acusado pelo malogro do ataque
a Curupaiti, inclusive pela imprensa,
Polidoro solicitou declaração de Mitre
sobre quais eram os deveres que ele,
como comandante do 1º Corpo de
Exército, deveria ter cumprido naquela
ação e fosse emitido um juízo sobre o
seu procedimento. A resposta foi
13
ambígua, pois se não o responsabilizou
pela derrota, apontou erros
consideráveis em sua ação. Mitre
afirmou que o resultado do ataque não
resultara "do que V E.x fez ou deixou de
fazer nessa ocasião, ainda quando isso
pudesse haver influenciado o quadro
geral".
Segundo o comandante-em-chefe,
sua resposta era a mesma que dera na
Junta de Generais e em conversa
amistosa com Polidoro, ou seja, de que o
reconhecimento que este comandou
sobre o flanco inimigo não fora tão
“vigoroso” como poderia ter sido, e que
viabilizasse, oportunamente, um
movimento decisivo de ataque.
Declarou, porém, compreender que o
comandante do lº Corpo de Exército
estava querendo reservar seus esforços
para um ataque à posição paraguaia,
pois "um reconhecimento mais profundo
que o praticado não poderia dar-lhe um
resultado melhor para tal efeito".
O desastre aliado em Curupaiti
teve grandes repercussões. No plano
militar tornou ostensiva a divisão do
comando aliado: de um lado, Tamandaré
e Porto Alegre, ambos pertencentes ao
Partido Liberal no Brasil, hostilizando
Mitre e, de outro, Polidoro, membro do
Partido Conservador, e Flores, solidários
com o comandante-em-chefe.
Mitre escreveu a Rufino de
Elizalde que não contava mais com a
esquadra imperial para nada e que ela
viria a reboque dos acontecimentos.
O relacionamento entre
Tamandaré e o comandante-em-chefe
argentino ficara irremediavelmente
abalado, e pôs em risco a própria
condução da guerra. Mitre afirmava que
"não posso, não quero,
nem devo entender-me com o
almirante Tamandaré, o qual
considero inadequado em todos
os aspectos para oposto que
ocupa e inimigo da aliança por
motivos pessoais, para cujo
sentimento arrasta a seu primo
Porto Alegre.
Para Mitre,
O marechal Polidoro é
velho (64 anos), está doente e
me parece fatigado, sobretudo
da hostilidade que lhe dirigem
Porto Alegre e Tamandaré, que
são primos, e primos até na falta
de juízo e fizeram um pacto de
família para monopolizar, de
fato, o comando da guerra,
tomando o primeiro o mando de
todo o Exército de terra para
subordiná-lo às operações da
Esquadra. Tenho razões para
crer que se Polidoro pede
demissão ou fica doente, tem
instruções para passar o
comando dos dois Exércitos a
Porto Alegre. É impossível
imaginar uma nulidade militar
maior do que este general, ao
que se acrescenta a má
influência, dominante, sobre ele
de Tamandaré e o espírito
negativo de ambos em relação
aos aliados, devido a paixões e
interesses mesquinhos. Com o
conhecimento profundo que
tenho dessa situação, posso
assegurar que tal comando
[único de Porto Alegre] será
funesto não só para as armas do
Brasil, como para a continuação,
prática e eficaz, dos objetivos da
aliança [...]
Comentários gerais
Após essa derrota, o governo argentino quis “conceder a paz” a López, proposta
recusada pelo Império. Dom Pedro II recusou alegando que a Argentina queria “uma paz
que nossa honra não nos permite”. Este, tinha receio de que a Argentina rompesse o
Tratado. A vitória em Curupaiti fortaleceu López no plano interno e provocou “péssimo
14
efeito” (Doratioto, p. 252) no Brasil. Dom Pedro ameaçou abdicar se os deputados não o
atendessem no seu desejo de continuar a guerra (Idem). Em 10 Out, Caxias foi nomeado
para Cmt das forças brasileiras.
A guerra mudaria de rumo. Ela pode ser dividida em duas partes: antes de Caxias
e depois de Caxias. Este, chegou a Itapirú em 17 e assumiu o comando em 19 Nov 1866.
Caxias reorganizou e fortaleceu a posição do Exército, tornou mais eficientes as
tropas e ampliou sua autonomia em relação ao governo para ter agilidade de ação
(Doratioto, p. 278). A partir daí, a Força Terrestre passou a ter identidade própria,
dissociando-a [...] do estado monárquico para associá-la à nação (Idem).
Esta condição permanece até hoje, 150 depois, e deverá permanecer sempre,
posto que as Forças Armadas não são instituições “de governo” e sim “de estado” .
Em agosto de 1867, decidido o “forçamento” da passagem de Curupayty, a
esquadra brasileira obteve pleno sucesso, isolando assim a posição paraguaia que nos
tinha causado graves perdas e liberando o acesso a Humaitá, tudo sob o seguro comando
de Caxias.
Fontes:
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da Guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai. Rio
de Janeiro: Imprensa do Estado-Maior do Exército, 1934, cinco volumes.
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita Guerra. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
https://pt.scribd.com/doc/293916660/A-Historia-Da-Guerra-Da-Triplice-AliancaContra-o-Paraguai
EDITOR: LUIZ ERNANI CAMINHA GIORGIS, Cel
Presidente da AHIMTB/RS
lecaminha@gmail.com
Acesse nossos sites:
www.ahimtb.org.br
www.acadhistoria.com.br