A SOCIEDADE VETERANOS DE 32-MMDC ESTÁ ACIMA DE QUAISQUER PROBLEMAS PESSOAIS ENTRE SEUS ASSOCIADOS. NO DIA 9 DE OUTUBRO DE 2019, MEDIANTE ACORDO ENTRE AS PARTES, A PAZ RETORNARÁ AO SEIO DA INSTITUIÇÃO. SEUS 65 ANOS DE EXISTÊNCIA E AS SUAS FINALIDADES ALUSIVAS AO CULTO DA EPOPÉIA DE 32 DEVERÃO SER PRESERVADAS A QUALQUER CUSTO!
segunda-feira, 26 de março de 2012
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Núcleo de Correspondência Bravos Paulistas de Cruzeiro: HOMENAGEM AO VALOROSO COMBATENTE DE 1932 QUE NOS D...: Uma homenagem dos Núcleos de Correspondência ao nosso eterno presidente GINO STRUFALDI Veterano da Revolução de 32 e Presidente de Honra d...
A SOMA E O RESTO - OS QUE ESTÃO VIVOS E OS MORTOS - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Fernando Henrique Cardoso
A soma e o resto
OS QUE ESTÃO VIVOS E OS MORTOS
No fundo estamos condenados ao
mistério. As pessoas dizem, eu gostaria de sobreviver além da minha
materialidade... Eu não acredito que vá sobreviver, mas, pelo menos na memória
dos outros, você sobrevive.
Vivi intensamente isso com a
perda da Ruth. Olhando para trás, é claro que ela estava com um problema grave
de saúde. Apesar disso fizemos uma viagem longa e fascinante à China. É como se
o problema não existisse. A gente sabe que um dia vai morrer e no entanto vive
como se fosse eterno.
Depois da morte de Ruth e, mais
recentemente, de outros amigos, como Juarez Brandão Lopes e Paulo Renato, eu me
habituei a conversar com os que morreram. Não estou delirando. Os mortos
queridos estão vivos dentro da gente. A memória que temos deles é real.
À medida que vamos ficando mais
velhos, convivemos cada vez mais com a memória. Conversamos com os mortos. Por
intermédio da Ruth, passei a lembrar mais dos outros que morreram, dos meus
pais, meus avós. Os que morreram e nos foram queridos continuam a nos
influenciar. O que não há mais é o contrário. Não podemos mais influenciá-los.
Eu não penso na morte. Sei que
ela vem. Já senti a morte de perto. Não em mim. Senti a morte de perto nos
meus. E procuro conviver com ela através da memória
Os que se foram continuam na
minha memória e eu converso com eles. Minha mãe, meu pai, minha avó, minha
mulher, meu irmão, meus amigos que se foram são meus referentes íntimos. Tudo
isso constitui uma comunidade - posso usar a palavra - espiritual, que
transcende o dia a dia.
Então, a morte existe, ela é
parte da vida, é angustiante, não se sabe nunca quando ela vai ocorrer. Eu só
peço que ela seja indolor. Não sei se será. Ninguém sabe como e quando vai
morrer. Pessoalmente, tenho mais medo do sofrimento que leva à morte do que da
morte propriamente dita.
Se não é possível ter a
pretensão utópica de sobreviver como pessoa física, é possível ter a aspiração
de viver na memória, começando por conviver com a memória dos que se foram.
Isso tem alguma materialidade? Nenhuma. Isso é científico? Não é. Mas é uma
maneira de você acalmar sua angústia existencial.
“Os mortos queridos vivem
dentro de nós.
Os que morreram continuam a
nos influenciar. Nós é que não
podemos
mais influenciá-los."
SENTIDO DA VIDA
Aos 80 anos creio que cada um
cria o sentido de sua vida. Não há um único sentido. Isso é muito dramático.
Cada um tem que tentar criar o seu sentido. Nesse ponto os existencialistas têm
razão. É muito angustiante. Tem uma dimensão da existência que é inexplicável.
Ou você consegue conviver com isso no dia a dia sem apelar para a
transcendência - digo no dia a dia porque, de vez em quando, todo mundo
apela... - ou você tem que criar algum sentido para justificar, se não
explicar, o sentido das coisas. Eu criei, imagino que sim. Achei que devia ter
uma ação intelectual para entender e para mudar o Brasil. Na verdade é isso que
eu queria, mudar as condições de vida no Brasil. A literatura me influenciou
muito, sobretudo a nordestina, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge
Amado. Depois as Vinhas da Ira, de John Steinbeck, sobre a revolta social na
América da Grande Depressão. Ou mesmo Roger Martin Du Gard com Os Thibault e,
já noutra direção, André Gide e, também, a metafísica de A montanha mágica, de
Thomas Mann. Esse caminho da literatura me contagiou e me levou à política.
Passei a vida inteira tentando
entender melhor a sociedade, os mecanismos que podem levar a uma sociedade mais
decente, como digo hoje, não apenas mais rica, e sim mais decente.
Tem que haver, é claro, algum
grau de riqueza, senão a miséria, a escassez, predomina e então não se tem nem
liberdade nem igualdade. A escassez é a luta, a guerra pela sobrevivência. Tem
que haver um certo bem-estar material. Além disso, porém, é preciso criar uma
condição humana de dignidade, de decência, de aceitação e respeito pelo outro.
Tentei entender isso do ponto
de vista intelectual e fazer a mesma coisa do ponto de vista político. Então
acho que dei um certo sentido à minha vida. Esse sentido tem que ser dado por
cada um. Não está dado que todos tenham que ter o mesmo sentido e haverá quem
nunca encontre sentido na vida e fique batendo cabeça.
"Quando se vai ficando
velho e, portanto,
mais
maduro, você tem que valorizar
mais a felicidade, a amizade,
essas coisas que, no começo da
vida,
parecem secundárias."
Essa angústia vai ser
permanente. Não tem solução. É parte da condição humana. Não sabemos de onde
viemos, não sabemos para onde vamos. Tampouco sabemos por que e para que
estamos aqui. O que não podemos é deixar que essa angústia da morte e da
ausência de um destino claro nos paralise.
Cada um tem que inventar sua
resposta. Cada um tem que dar sentido à sua vida. Ela não tem sentido em si. Esse
sentido não está dado. Cada um tem que construir o seu sentido. E vai sofrer
para encontrar.
Uma resposta está no próprio
convívio com os outros. Inclusive com os mortos. Talvez isso arrefeça um pouco
a angústia. Não se vive sem amizade, sem amor, sem adversidade.
Quando se vai ficando velho e,
portanto, mais maduro, você tem que valorizar mais a felicidade, a amizade,
essas coisas que, no começo da vida, parecem secundárias. Você continua
querendo mudar o mundo, mas sabe que as pessoas contam Embora eu tenha sempre me definido como mais
intelectual do que como político, na verdade minha vida foi muito mais dedicada
ao público. Isso vem da minha ancestralidade, da minha convivência familiar. O
sentido, para mim, sempre consistiu em buscar fazer alguma coisa que mude a
situação mais ampla do que a minha própria Nunca fui uma pessoa voltada em
primeiro lugar para alcançar o meu bem-estar. Eu tenho bem-estar. Diria que
quase sempre tive bem-estar. Mas esse não foi o meu valor.
Mesmo em termos subjetivos, a
ideia de felicidade, nunca busquei com denodo a felicidade pessoal. Eu a tive
de alguma forma, nunca me senti infeliz. Eu me dediquei muito mais a ver a
situação dos outros. De uma maneira modesta, sem proclamar. Nunca andei
proclamando, sou solidário, sou do bem. Mas levei a vida inteira pensando no
mundo, pensando na sociedade, pensando nas pessoas, nos outros. O sentido que
dei à minha vida foi construir isso.
Fonte: CARDOSO, Fernando
Henrique Cardoso - A soma e o resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos
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